quarta-feira, 11 de março de 2009

A Escolha de Viriato


Viriato tinha uma vida comum e ordinária. Casado desde os tempos de faculdade, era um homem que pouco havia aproveitado a vida. Mulheres, só tivera uma - Dalila - a mãe de seu filho. Filho, aliás, motivo central para realização do matrimônio. Sua vida em casa era um verdadeiro inferno. Dalila era uma mulher possessiva, ciumenta, de humor insuportável, além de péssima dona-de-casa. Era comum voltar da repartição pública onde trabalhava há mais de 15 anos, e ainda ter que cozinhar seu próprio jantar.


Mas Viriato era apaixonado por seu filho Sinval. O garoto de 13 anos de idade havia puxado o humor e paciência do pai, e em pouquíssimas coisas lembrava a mãe. Sinval e ele dividiam os mesmos gostos e torciam para o mesmo time de futebol, o que tornava as idas aos jogos perfeitas, vez que a mãe odiava futebol. Sim, era o filho e aqueles deliciosos domingos a dois que o faziam aturar o convívio com a víbora.


Certa feita, chegou em casa do trabalho e se deparou com um delicioso jantar à luz de velas. O prato principal era um cordeiro regado ao molho de frutas vermelhas, que só lhe dava menos água na boca do que ver sua esposa em uma camisola de seda quase que totalmente transparente. Fazia tanto tempo que não a reparava dessa maneira que já tinha se esquecido de como seu corpo era sublime.


Aquela noite havia sido inolvidável, assim como memorável seriam os próximos meses de seu relacionamento. Refeições nababescas com os mais variados pratos e temperos. Massagens subliminares que recebia daquelas mãos de anjo. O mau-humor havia desaparecido. Assim como o ciúme também era coisa do passado. A vida nunca havia sido tão prazerosa. Até houve um certo domingo em que Dalila acompanhou ambos ao estádio de futebol revelando-se uma torcedora apaixonada.


O tempo foi passando, e numa tarde de sexta-feira, Viriato resolve surpreender a mulher ao voltar mais cedo do trabalho com um regalo em mãos. Ao chegar em casa, deparou-se com Sinval sentado na escadaria com os olhos marejados de lágrimas. Correu até o filho, abraçando-o forte. Antes mesmo que pudesse perguntar o que havia ocorrido, ouviu inúmeros estrondos vindos de dentro da casa. Ao abrir a porta supreendeu-se com a enorme quantidade de vasos, pratos e copos esmigalhados em uma miríade de cacos que refestelavam-se pelo chão. Dalila, agora estava sentada no sofá soluçando tão intensamente que chegava a sentir falta de ar. Gritava que queria morrer. Viriato, cada vez mais aflito, ajoelhou-se em frente à mulher e passando a mão por entre seus embaraçados cabelos perguntou o motivo para tudo aquilo ali. Quase foi nocauteado pelas palavras da mulher, que confessava sem receio algum o caso que havia mantendo com Adolpho, um amigo que Viriato fizera no bar anos atrás. Seu coração se remoía a cada declaração de amor à Adolpho que saía da boca de sua mulher. Ela dizia que o amor por Adolpho a fizera mudar para melhor e que sem ele tudo voltaria a ser como antes.
Viriato transtornado pelo orgulho ferido, dirigiu-se à cômoda do quarto retirando uma revólver 38 da gaveta de baixo. Mil coisas se passavam em sua cabeça enquanto caminhava em direção ao bar da esquina. Adolpho costumava passar suas tardes lá, jogando sinuca com colegas desempregados. As palavras de sua mulher invadiam seus pensamentos vez ou outra, mas sua mente apenas alimentava a idéia de matar o amante de sua esposa.


Entrou no bar já apontando a arma para Adolpho, que levou alguns segundos para realizar o que estava acontecendo. Algumas pessoas correram para fora do bar, enquanto outras se jogaram no chão do estabelecimento, mas Adolpho permaneceu em pé, petrificado encarando o cano da arma como um homem encararia um seio de uma mulher. Sabia o motivo daquilo estar acontecendo. Achava Viriato um banana, e isso somado ao fato de que Dalila era um pedaço de mau caminho, fez com que ele decidisse seduzí-la. Mas Dalila havia se apaixonado por ele, cobrava visitas mais regulares e tinha acessos de ciúmes quando ouvia notícias dele com outras mulheres. Por isso tudo resolvera terminar o caso. E agora, por isso tudo, Viriato resolvera terminar com ele. Fechou os olhos e esperou pelo pior.


Viriato se aproximou de Adolpho colocando o cano do revólver em sua têmpora. Aproximou a boca do outro ouvido do rapaz. Os olhos de Adolpho se arregalaram enquanto recebia as palavras proferidas pelo marido de Dalila. Ele apontava a arma para sua cabeça exigindo que o rapaz retomasse o caso com sua esposa. Sussurava em seu ouvido que ele deveria estar à disposição de Dalila a qualquer momento que ela quisesse, sob pena dele voltar ali e acabar com a raça do ex-amante. Surpreso e com as calças molhadas, Adolpho concordou com aquela mórbida exigência imposta por Viriato, que simplesmente colocou o revólver na cintura, deu dois tapinhas na cara do rapaz proferindo a palavra: "Sócio".


Voltou para casa com um sorriso no rosto, e aflito para contar as novidades para Dalila. Graças a ele, a esposa recuperaria seu amante. A notícia fez com que ela ficasse radiante,e enchesse-o de beijos. Agradecida, quis cozinhar para ele um jantar especial, e ele pediu seu favorito: Strogonoff. Então, vendo a esposa extasiada saindo para fazer compras, Viriato acomodou-se no sofá saboreando uma cerveja gelada. A paz havia retornado. Entre a paz em casa e a fidelidade da esposa, havia escolhido a primeira. E não estava nem um pouco arrependido.

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