quinta-feira, 12 de março de 2009

Que Sortudo era Hamlet!


Uma das citações mais conhecidas do planeta vem da peça teatral Hamlet escrita por William Shakespeare. Nela, o personagem principal, depois de ver a mãe casando com o assassino de seu pai, depois de matar acidentalmente o pai de seu grande amor, e após ver a mãe morrer ao tomar um veneno destinado a ele, exterioriza sua dúvida entre a vontade de viver ou morrer, indagando: "Ser ou não ser? Eis a questão". Com todo respeito ao príncipe dinamarquês, mas depois dos longos minutos na sala de ultrassonografia hoje, há dúvidas muito mais aflitivas do que a simples decisão entre a vida e a morte.


Com certeza, Hamlet nunca se sentou em uma salinha de 10 metros quadrados, esperando a resposta sobre o sexo do bebê tão aguardado. Naquela época arcaica, sei que todos tinham que esperar 9 meses para descobrir qual o sexo da criança, mas tenho certeza que esses meses passavam bem mais rápido que aqueles longos minutos naquela micro-sala.


Que sortudo era Hamlet!


Para começar, devo afirmar que o dia de hoje começou, realmente, ontem à noite. Por volta das 23:00hs, para ser mais específico. A hora em que fui, tola e inocentemente, tentar dormir. Toda vez que começava a pegar no sono, era acordado pelo estrondo causado pela queda de uma agulha de costura no chão da cozinha, ou pelo barulho em uníssono causado pelos coturnos dos ácaros marchando em meu travesseiro. Resumindo? Mal preguei os olhos.


Que sortudo era Hamlet!


Depois, sobrevivi ao combo trânsito/sala de espera/atraso no horário da consulta, sem arrancar o coração pela garganta. O desespero, cumulado à falta de sanidade, era tamanho que cheguei a pagar R$ 5,00 por um DVD-R virgem para gravar as imagens do ultrassom. E, aqueles que me conhecem, sabem que isso, para mim, assemelha-se a pagar R$ 50,00 por um Big-Mac.


Que sortudo era Hamlet!


Enfim, fomos encaminhados à uma pequenina saleta. Muitas horas depois (leia-se poucos minutos), aparece a médica responsável pela notícia mais aguardada da minha vida. Mais do que a escalação do Corinthians em uma final de campeonato. Ela chega calma, andando lentamente, fingindo não perceber a ansiedade respirada no local. O antigo Ragazzo teria vontade de dar uma voadora nela por trás, enraivecido pela demora, já o atual, pensou se ela não queria que eu buscasse um cafézinho enquanto realizava o exame.


Que sortudo era Hamlet!


Foi então que a médica começou a movimentar a pá do aparelho de ultrassom, espalhando o gel por toda aquela barriga maravilhosa, Reino Encantado da criaturinha mais linda que o mundo ainda não viu. Enquanto ela media tamanho do estômago, fêmur, cabeça, ritmo dos batimentos cardíacos, minha mente viajou para longe, bem longe dali. Fui para um mundo em que me via levando o garoto ao jogo de futebol; um mundo onde aguardava sentado na platéia, a apresentação de balé da minha filha; um mundo onde imaginava meu sorriso com a perda da virgindade do meu filho, ou meu desespero ao saber que minha princesa se transformara em uma mulher. Até que veio uma calma avassaladora. Uma paz de espírito difícil de ser traduzida. Pois naquele mundo, qualquer que fosse o cenário, eu me via como um pai feliz. E então, veio a notícia! Nem lembrei mais de Hamlet! O sortudo, agora, era eu!


A emoção que senti acredito ser intraduzível, mas, como escritor, aceitarei o desafio: PAZ! Em seu mais pleno efeito. Todos os problemas desaparecem, todas as preocupações nos abandonam, toda raiva é eliminada, dando espaço a um tipo de amor novo, diferente, compulsivo. Tudo cai para segundo plano. Podem ter certeza que o conceito de PAZ foi criado por uma pessoa que, naquele momento, passava pela mesma situação.


Quanto ao sexo do bebê, eu poderia, claro, revelá-lo nesse texto, mas o objetivo de um escritor é tentar passar aos seus leitores, através de palavras (ou pela ausência delas), todas as suas emoções, e espero que, mantendo o segredo, vocês consigam ter uma vaga noção da aflição que senti naquela sala.


Aproveito para terminar esse texto, pedindo perdão pelo leviano (mas inevitável!) trocadilho feito com a obra do inigualável William Shakespeare, interpelando-os:


Menino ou Menina? Eis a questão!

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